sábado, 5 de fevereiro de 2011

Off Topic – O Sr. J.

Um dia destes, enquanto esperava o meu almoço, soube que tinha a meu lado uma pessoa (o Sr. J.), com os mesmos 37 anos que eu, …mas que nunca tinha ido à escola.

Era português (só para não ficarem dúvidas) e já me tinham falado dele (o chefe e mesmo o patrão), não por ser analfabeto (facto que até me tinha sido omitido, mas sim por ser um excelente profissional no seu metier… Pareceu-me, das duas vezes que falei com o Sr. J., que se interessava especialmente pelo meu trabalho, parecendo ser o líder da equipa que integrava, mesmo não sendo o chefe formal, possivelmente porque todos os restantes tinham o 6º ano ou o 7º ano… Mesmo a própria equipa me tinha sido referenciada como “muito boa”, “capazes de trabalhar no limite”…

O que me levou até estas pessoas, era a eventual necessidade deles frequentarem formação profissional querendo eu saber como é que poderíamos entrosar esse processo entre as actividades profissionais e as suas vidas pessoais.

Nas duas vezes que me encontrei com o Sr J., havia documentos (pequenos) para distribuir e, diziam-me os colegas, que só eram precisos 2… o 3º era dispensável.
Nas duas vezes que falei com ele, foi o seu semblante que me intrigou quando a conversa era a papelada que há para ler. Parecia sentir um grande desgosto. Naqueles momentos era o seu maior desgosto, a única coisa que o ocupava por dentro: não ter tido a possibilidade de experimentar o que tantos dizem não gostar, nunca ter ido à escola, não ter na memória uma professora, não se ter portado mal e ser repreendido, não ter chegado a casa com vontade de acordar doente no dia seguinte para não ter de ir à escola, não ter apanhado chuva a caminho da escola. Era o seu maior desgosto e tinha-o claro para ele próprio, assim o expressou com o seu subtil franzir de lábios e olhos, nas duas vezes que estive com ele. Era como se não fosse um ser humano completo…

Acabei por aprofundar a conversa com ele e saber que os seus 3 irmãos (2 raparigas e 1 rapaz mais novo, tinham frequentado a escola, ao contrário dele)… Foi com o seu rosto que me lembrei de um colega meu da escola, o Silvino, que todos (miúdos de 7-8 anos) chamávamos de piolhoso e que ninguém valorizava porque vivia numa quinta algures no vale a 3 quilómetros da aldeia onde eu frequentava a escola primária. O Silvino, para ir à escola, tinha que percorrer esses 3 quilómetros pelo meio dos pinhais para chegar à escola. O Silvino estava sempre calado, (agora) não me lembro de o ouvir falar…

Vou entrar num processo e tentar perceber o que o meu país pode fazer pelo Sr. J..

Na primeira vez que estive com o Sr. J. viajei durante 10 minutos na mesma viatura com um rapazola de 17 anos (colega do Sr J.) a quem também perguntei que escolaridade tinha: “- Tenho o 9º!”… E para saber mais, fui perguntando: “- Então não quiseste continuar na escola?”, ao que me respondeu “- A escola é que não me queria lá a mim”.

4 comentários:

Nuno Caetano disse...

muito bom...

sica disse...

Rui, foi muito interessante perceber um pouco da pessoa que está por detrás do atleta.

MPaiva disse...

A vida tem destas coisas. As oportunidades estão mal distribuidas e, quantas vazes, são oferecidas de bandeja a quem não se mostra digno delas, enquanto que outros...

abraço
MPaiva

João Correia disse...

Gostei muito desta tua derivação (off-topic está na moda, definitivamente :))).
Felizmente que "Srs.J's" já não há tantos, mas num passado recente fomos pródigos na falta de igualdade de oportunidades.
Hoje há outro problema igualmente grave (entre muitos): a iliteracia. Cada vez mais já não chega saber ler e escrever. Outras formas de analfabetismo vão sendo geradas à medida que a sociedade avança, não sabendo eu em benefício do quê ou de quem.